segunda-feira, 19 de março de 2018

Às carrachilas





Se vives sem ser pai, morrerás sem ter sido homem.
Provérbio russo
    

Um jovem pai passeia às cavalitas a sua filhotinha, jóia sem preço, talvez o primeiro fruto de noites de amor.
Quando bebé, sentiu-lhe o calor tenro no seu colo, acudindo a seus choros de berço, embalando-a em movimentos lentos e ritmados, amparando-lhe a moleirinha com jeito intuitivo e sem tremura de mão.Esperou que a menina andasse para a levar a passear em espaços de ares benfazejos.
Num impulso bem intencionado, pô-la sobre as costas. Nunca sentira essa simples aventura infantil enquanto filho, essa comunhão corporal de debilidade e rijeza. Chegou a hora da desforra. Braços-amarras, mãos-tenazes, segurança.
A criança parece assustada em tais alturas. Agarra-se ao pai com toda a força das mãozinhas. E o seu rosto desfeia-se de aflição. Tão pequenina, tão menina, ainda se não iniciou em escaladas. Ainda não experimentou o prazer de subir aos galhos robustos das árvores, pousos de passarinhos. Em ovo ou em descanso de voo.
Regressados a casa, o pai desencavalitou a filha perante o remoque da mulher ao ver o lindo vestido de sair todo amarrotado. Engoliu a réplica, resignado. Nenhum raspanete conseguiria beliscar o prazer daquele passeio a dois.




M. Hercília Agarez
Vila Real, 19 de Março

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