quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Morrer mais descansado

Foto:josé alfredo almeida




"De João de Araújo Correia, Homem, Médico, Escritor já em tempo disse alguma coisa. Disse-o, para quem me quis ouvir, numa espécie de conferência que proferi, aqui na Régua, em 2 de Abril de 1983. Muita coisa ficou por dizer. Mas, dessa conversa inacabada, guardo eu na memória o abraço amplo, desmedido, que o Dr. João de Araújo Correia me deu, num recanto familiar do seu eremitério, E pareceu-me, até que desde esse dia ficámos mais amigos, se é que a amizade consente outras medidas e emoções.
É que, daí em diante, o nosso convívio foi mais estreito e mais compartilhado. Tanto no terraçozinho que dava para as suas flores, a sua Montanha, nas horas calmas do Verão, como em horas de Inverno, no aconhego de um fogo lareiro, autêntico conciliador, sob o olhar de Camilo, Eça e Herculano.
De tudo isso guardo memória. A memória de um Homem de bem, entroncado em boa cepa, sempre fiel a um código de civismo e de sociabilidade que já não se usa muito por aí. Homem que amou o próximo, a família, o país, o Douro sobremaneira, e o lar, esse lar a que chamava o meu eremitério. E esses amores estão presentes no mundo dos seus livros, nos seus contos e novelas, miscelâneas e conferências, ensaios e poemas, correspondência e notas sertanejas.
(...)
E quase até ao fim conservou uma contagiante jovialidade. Rindo ele, médico que foi de muitas gerações e muitas angústias e rindo eu também, ali à sua cabeceira.
-Sabe...Magalhães...já me custa custa responder às muitas cartas que recebo...Gostava de morrer mais descansado, como morre qualquer pandilha.
Foi esta uma das últimas frases que lhe ouvi."


Manuel Braz Magalhães

2 comentários: