quarta-feira, 21 de setembro de 2016

António da Silva Correia

António da Silva Correia


"Meu pai, embora afastado, por mil desilusões, da política militante, quis acudir à República no dia 3 de Fevereiro. Comprometeu-se com o major Varão, que lhe entregou, ao passar pela Régua, o comando civil do concelho.
Sufocada a revolta, andou meu pai de cadeia em cadeia, modo de dizer, até entrar na Penitenciária como grande criminoso.
Com a prisão de meu pai, bastante prejudiquei o meu último ano do curso de Medicina. Enquanto vi preso o meu velhote, que então contava 58 anos, não saí de Lisboa. Ia visitá-lo todos os dias, levar-lhe à prisão esperanças de liberdade.
Mal cheguei a Lisboa, tratei de procurar, na Parede, o Dr. António José de Almeida. Procurei-o para desabafar. Ver preso o meu pai, desiludido da Política sem ter perdido a fé republicana, era ver preso um inocente, arrastado a uma rebelião mal organizada, sem jogo suficiente para sair vitoriosa.
Não vi criado nem criada na casa da Parede. Que me abriu a porta foi  a esposa do antigo presidente da República. Disse-me que o marido, embora muito doente, me receberia.
Fui à presença do paladino. Vi-o deitado em modesta cama e, tão desfigurado, que apenas o reconheci. Tinha envelhecido a ponto de me parecer centenário. Da antiga barba e das antigas mãos, comparsas da sua oratória, restava uma poalha branca e dois molhos tubérculos presos pela rama.
-A noite passada foi horrível. Mas, a que aí vem...vai ser pior.
"Nada posso fazer pelo seu pai. Mas, vou dar-lhe um conselho, que talvez dê resultado. Não  queira intermediário. Defenda o seu pai, conversando com o instrutor do processo. O senhor tem boa apresentação. Basta-lhe para ser recebido e escutado.
"Agora, uma palavra: Portugal não morre. Debaixo do jugo espanhol, durante sessenta anos, sacudiu-o...O povo português é invencível."
Segui o conselho de António José de Almeida. Conversei, na Penitenciária, com o coronel Schiappa de Azevedo.Pediu-me que lhe apresentasse, escrito por mim, um relatório da acção de meu pai no movimento. Apresentei-lhe o relatório. No dia seguinte, estava o meu pai na rua.
- O seu pai deve-lhe a liberdade. Não a deve a mais ninguém. O senhor, se não quisesse ser médico, seria um grande advogado."

14-8-74
João de Araújo Correia in "Pontos Finais"  

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